terça-feira, 2 de setembro de 2008

Desabafo sobre a demasia

...em demasia me parece a estupidez acumulada num ser com quem tenho de partilhar parte dos meus pacatos mas ferozes dias...

Só registo isto como um desabafo solidário àqueles que tem de tratar com essa espécie em expansão que são os estúpidos. Noutras paragens já testei este modelo, e resulta. é um quase-documento cientifico.

Passo a explicar: na descarga dos camiões de fruta, verduras, carne, peixe ou outros víveres, sou obrigado a cruzar-me e entediar-me em conversas absurdas com um ser de outro restaurante.
O outro restaurante é como se fosse uma segunda secção. O Dono é o mesmo para o qual cozinho.

Tenho de falar e não ignorar, porque mandam as regras de boa cortesia que troquemos trivialidades com os pares de outras secções. Até de restaurantes alheios ao cluster.
Se sou um embestiado que na verdade gracejo umas palavras com os transportadores, tenho de me obrigar a falar com os pares.

O importante ressaltar é que há neste par algo que me revolve as entranhas, e isso deve-se ao facto de ser um ente em que prolifera uma tamanha estupidez e demência que até chego a assombrar. A ignorância que exubera dava para uma boa dezena de mentecaptos. Mas este ilustre carrega sozinho este monumento à estupidez, e espantem-se: faz luxo de a deter.

É um joguete do Dono. Pausadamente devora-lhe a alma ao vesti-lo com um pequeno esterlato de lhe visitar amiúde o seu estabelecimento e isso fá-lo saltitar na sua fraca figura.

Apesar de confeccionar comida fraca, desprovida de imaginação e qualidade, e que com frequência acarreta problemas gastro-intestinais aos clientes e subordinados, o Dono usa-se dele para maquinar a hostilidade dos pares, como eu.
Não que o Dono desprestigie as demais secções apesar de não lhes demonstrar agraciamentos, mas a criatura enlevada em visualizações mais frequentes do Dono, usa um circuito de intrigas e distorções repugnante, recriando intrigas e desentendimentos desprovidos de verdade e base.

Ora, perdera esse poder de incomodar no momento em que lhe agraciei os paladares e menus . Levará a secção à ruína, e essa fama alargar-se-à a todos os restaurantes.

E com palmas e sorrisos, com malabarismos falsos passo mais depressa esses cinco minutos de contacto.

Assim se agraciam os estúpidos, especialmente aqueles que a carregam em demasia.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Orgulhosamente só.

Não sei porque abri o meu caderno de notas. Não me apetece escrever. Mas apetece-me partilhar a miséria dos meus dias. Ou não.

Conta-se por aí que aqueles que partilharam mesa comigo, que se sentaram no meu festim, se reúnem em festa na beira-mar. se por um lado me enfada a alegria exorbitada da pré-época, ou seja, do pré-momento, por outro lado me corrompe não poder ser analista nesse festim.

Adiante. Enfada-me não me divertir com a pequena inteligência que planeiam compartir nesses dias. Isso realmente me enfada, dirão vossas línguas que pode até ser envidia.
Como sei que não vou estar, atiro alguns grunhidos no burburinho de missivas.

A verdade é que sempre que rumo a estes estares em conjunto, ainda mais me enfado.
Mas a verdade é que não poder sequer aniquilar aquelas criaturas vãs com a minha agudez, com a minha perspicácia e não poder corromper as suas alminhas com a minha presença gloriosa causa-me um certo enfade, porque perco a oportunidade de me satisfazer com a minha ermitagem.

apre. não devia ter começado a escrever. é certo.

São amizades de outrora, que guardo com repulsa mas rego na memória para não esquecer. Vivo a certeza de que sou de outros mundos e vidas, de outros pensares e atitudes.
Olho sobranceiro sobre a multidão.
Voz grave.
Palavra pausada.
Fumo lento.
Sou maior, e quero-me sozinho nos pensamentos.

Não me quero corromper. Só largo ácido sobre a populaça com que convivo de vez a vez.

Sou uma besta. A vaguear entre o feliz e o insano. Orgulhosamente só na minha mente e no meu passo.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Músculos no rio

Estava a zombar o calor entre as varejeiras.
Nas velhas paredes sentia-se o suor dos poucos transeuntes como um eco, porque não corria ar e o odor estagnava-se nas nossas narinas.
Eram duas da tarde e tínhamos limpo as mesas dos clientes que não tinham aparecido.

Havia restos de vida nas ruas. Não era vida a sério. Eram os restos de ontem, de anteontem. Houve vida ali quando esteve mais fresco e a conversa fluiu ou o álcool atordoou o termostato corporal.

Tinha sido sério o caso. Houve barulho e polícia. Desmembraram a família porque nunca o fora.
O facto é que as coisas acontecem porque o cenário põe-se a jeito e têm de acontecer.
Aquilo fora uma desculpa. Amantes e dinheiro era clássico e ninguém desconfiaria ou duvidaria. Era passional, e portanto não tinha de ter lógica ou justificação oficial no verbo da maledicência, ou do mero entretém quando se tornasse público.

Também o forçaram a ser público, até ao pormenor sórdido das quantias pagas nos crimes.

Não se importavam. Não queriam saber. Eram co-habitantes. Não família. Nem aparentados. Parece-me até que nem conhecidos.
Mas o embuste social era perfeito: muitos, amigos, sempre juntos, animados.

Quando se importam não se juntam para sentir saudades e para ter o que contar.
Quando tive coração era assim.

Descascava a fruta com o cutelo porque estava mais à mão e deixe-me ficar a pensar nisso.

Se se importassem entre eles, deixavam - depois de todo o alvoroço - correr até às últimas importâncias todas as vinganças e afrontas. Porque achamos que tudo o que lhes vai acontecer é merecido como consequência para quem nos infligiu. especialmente se for "família".
Tretas.

Perdoa-se? Não. Dá-se com mais força. Porque também está a doer.
O ser sacia a sua fome com a fome de quem lhe roubou a comida.

Se há recuo é porque o protocolo exige esse fingimento...e de forma a parecer sentido.

Não existiam como família porque se rivalizavam em todos os seus actos. Até à ultima instância. Ou até nem isso. mas era assim que os obrigavam a ser.
E os outros membros tiraram partido e lados, barricaram-se de um dos lados em vez de se permitirem estar no campo de batalha desarmados e expostos às respingas de sangue alheio, mas também seu.


Desmembraram a família porque nunca o fora.

Ficaram felizes para sempre.

Boiava no rio pardacento uma massa de músculos.
Fora uma vaca que morreu de calor.

terça-feira, 24 de junho de 2008

De pedra a pós, passando por mós.

Caí na tentação fácil que já vos havia contado que era o meu pecado.
Faço-me de pedra e de escopo me dedico a criar forma. a criar. já errei várias vezes. Volta que não volta, vejo-me outra vez a braços com isto.

Deixo crescer a barba, não me lavo, dedico-me inteiramente à carcaça para tirar um corpo e depois vida. O frio inox da banca é o reluzente leito da minha mente.

Mas como sempre que nos dedicamos mais aos pecados do que ao que nos contém e educa, deitamos por terra as juras. E desanimamos. O desalento apodera-se de nós por vermos que somos uns merdas e que já voltamos a brotar suor e sorrisos. inebriado. bêbado. extasiado. já me deixava levar por uma coisa chamada paixão e que só faz mal aos fígados.

Passei a cortar-me de tanto esforço no dessossar as presas. Dediquei-me de mais.
Vi.
Desta vez fui mais rápido...mais rápido a recuperar a lucidez.
Voltei para onde me queriam: cortar. mero cortador. mesmo que o mais experto, mero cortador.
O problema estava em mim.
Mas agora já não me preocupava. Ocupava a minha mente sórdida em outros entretens. Inventei a estes Sujeitinhos um faro intocável. Rodeavam as presas a procura do cheiro da morte, e aquelas que gozavam de vida sentiam-se morrer. Era um jogo tonto. Acreditamos que temos poderes ou que os outros os tem.
Não tem arte. é o faz de conta assumido como verdade.
É um jogo tonto.

Vou voltar a escrever. Mas vou deixar de contar os crimes.

Talvez não. Não resisto a ser fraco.

Deixo agora o cutelo, as facas e as pedras. reduzo a pós a existência, e contarei só o relevante para a vossa. existência e desistência.