sexta-feira, 20 de maio de 2016

Inteiro

Ameniza-te ao meu colo.
Diz-me o que leste, o que ouviste. o que te fez feliz.
conta-me as verdades carregadas de pequenas mentiras que te fazem fantasiar.
conta-me com quantas bandeiras navegaste.
mostra-me as cicatrizes. beijo-te com suavidade.

Aqui não serás senão tu.

sem fingir que não há passado, ou que o passado não é presente.
deixo que as mentiras que te contas, sejam bradadas como verdades.
seja que as verdades que se encapotam com vergonha, sejam olhadas como mentiras.

Aqui podes ser o que sejas.
aqui, não serás senão tu.
e eu por isso, serei mais eu.

desertico

sopra quente.
a jornada vai longa e pesarosa.

lá fora, algures, mimetiza-se com o vento o petiz que se dobra junto ao monte.
cai-lhe um suor.
ou seria uma lágrima? só ele sabe.

zumbam as abelhas, crestam-se as ervas daqui a nada palhas. é o que eu ouço a partir dos meus olhos nessa imagem.

pesa-me a alma numa dor magra.
não tenho espaço para prostrar os braços, deixar cair o sorriso e a pasta de educação.

sopra quente.

não é uma morna brisa de primavera que nos enleva um sorriso.
é um sopro doentio, abafado, surdo.
queima a pele, seca o brilho, fenda.
é sal na terra, uma erosão lenta. nada brota.

este sopro quente que bate em mim há tantos anos, criou um deserto, esculpiu uma escarpa, abriu um fosso.

A barriga do dragão tem um mar revolto de ansiedade, de desejos, de sobressaltos, de emoções, de uma força contida.
um vai e vem de atitudes procrastinatórias.
o dragão arrasta um fogo que não solta.






quarta-feira, 11 de maio de 2016

Dá para sentir o tiro.


a insinuação é um cenário onde se prepara a caçada.

a fera alterna com o caçador caçando-o. o caçador domina a caçada.
confundem-se entre si, num jogo de camuflagem e simbiose.

o poder está em discernir a verdade da simulação, em simular inteiramente a verdade.
a aprendizagem está a cada passo, a cada caçada, sempre e sempre um pouco mais.

o domínio da arte está em atrair a presa sem a espantar suficientemente perto para a caça. reside em ser dominado pelo fascínio perante a fera sem sucumbir e ser devorado.

a insinuação é um cenário onde se prepara a caçada.

uma palavra amarra um rosário de suposições.
sem perguntar caçador e fera envolvem uma rede de passos, de acções e de não-acções, de quietudes.

a insinuação é um cenário.
uma base moldável onde se desenrola a actuação.
meras imposturas.
fumaças.
sombras.
um fingimento próprio.

palavras sem contexto. descrições sem imagem.
o caçador e a fera não se confrontam mas mantem-se suspensos nesse impasse encantador.

a imaginação é uma poderosa arma.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

letargia, nostalgia, selvajaria, estuo.

"sinto a nostalgia da imoralidade.”
machado de assis

é o legado da nossa cobardia, esta nostalgia impiedosa, castigadora. que nos perturba em cada canto deixando um rasto lascivo de sorrisos ariscos.

aquela imoralidade sã, palpitante, que se sentava à mesa, num sol inquietante.
deixávamo-nos embrulhar na letargia da satisfação que este estado de força nos dava. sempre no pré-coito. sempre a salivar. num limbo grotesco de sedução.
 (..)
esquecer é uma necessidade que se impõe, mas não sei se é deste estuo, desta febre sob a pele, esquecer é impossível, é algo que não deixo progredir.

dizes tantas coisas a calar-te.
 
......ainda assim, não me satisfaz nem sossega. a ansia é crescente e incessante.

salta a certeza que seria um absoluto vórtice e ao mesmo tempo a paz, e sossego que imagino e.. que tivemos num mundo único de um sabor e odor inigualável.
e toda  esta certeza transforma-se numa grande desconfiança, na incerteza.

não entendo.
a nenhum de nós.
e contrariamente, tao bem contextualizo os passos dessa dança que dançamos horas infinitas.
 (...)
impusemos um padrão. cada um para si. uma regência, e... : "Quase gosto da vida que tenho. Não foi fácil habituar-me a mim. Tive de me desfazer das coisas mais preciosas, entre elas de ti..." pedro paixao

mas sabemos a verdade: ríamos como loucos, e agora ninguém nos faz rir assim. nem permitimos que vá tao fundo, ou não nos libertámos tanto porque não queremos. chorávamos sem lágrimas a alma um do outro, a conturbada existência que tivemos, o sermos uns totais deslocados, uns marginais. sentimos o toque mais profundo e sensual de todos, sem nunca nos termos tocado. olhamos tão fundo da alma que doía, ao observado e ao observador. respirámos no mesmo compasso.
repudiamo-nos tanto porque o querer era tanto que mesmo tendo sido canibais não gastaríamos este apetite. 

num equilíbrio insuperável, saltávamos entre a delicia da imoralidade, da perversidade, do humor caustico. o sol a queimar, a dor masoquista, o jogo; e a inocência e  fascínio puro, o profícuo querer, a ternura, esse amor displicente, libertador, maior.

o monstro volta a cada circulo, a cada ciclo....[ http://capitania-mimosa.blogspot.pt/2010/09/amputacao.html ]

volta por um sinal. um sopro. um som. uma  palavra.
estamos impregnados um no outro.
tapados e escondidos debaixo do tapete da nossa sala de vivencia social.

o ultimo dia da minha vida podia ser assim, em ti. nada mais restaria para viver.